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sábado, 26 de fevereiro de 2011

CARTA DE UM FILHO PRÓDIGO

 

     
Querido pai:

     Há algum tempo eu queria escrever, mas estava com vergonha. Quando saí de casa, estava com uma boa grana na mão, cartões de crédito e com o canudo da faculdade. Achei que poderia enfrentar tudo sozinho e sem depender de ninguém. Queria uma vida independente, ser dono do meu nariz.

     Encontrei uma pá de amigos quando cheguei aqui.

     As baladas se sucediam e eu vivia emoções fortes a semana inteirinha. Além disso, minha aparência ajudava muito e tinha ao meu lado as garotas mais descoladas do pedaço.

     Sabe pai, o carro, numa madrugada de sexta para sábado, eu estava tirando um racha numa avenida daqui e quando fui dar um cavalo de pau, acabei capotando. Fiquei dois dias em coma, mas felizmente me restabeleci.

     Nessa época a grana já estava acabando, mas achei um amigo que me pareceu muito legal e que me deu o maior apoio. Cedeu-me um lugar em sua casa já que morava só. Ele só tinha um problema, estava envolvido com o uso de cocaína e depois ele me confessou que para manter o vício ele batalhava para vender a droga para outras pessoas. O Giba me ofereceu a cocaína e me garantiu que ficar careta não era para jovens como nós.

     Quando dei por mim, já estava fazendo uso da farinha (é assim que a gente chama a cocaína). Sentia uma inquietação muito forte e o Giba disse numa boa que não podia mais sustentar o meu vício.

     Pai, até tentei me firmar num emprego, mas não consegui e a coisa começou a engrossar. O Giba foi preso com quinze papelotes de cocaína e foi autuado em flagrante por tráfico de entorpecente. Eu não podia mais permanecer na casa dele pois estava devendo para o dono de um ponto de tráfico.

     Umas garotas que participavam das baladas com a gente, também entraram para o time dos drogados, inclusive, a Jose e a Jéssica morreram, uma de overdose e a outra, foi morta no carro do namorado, que era da pesada.

     Pai, aos poucos eu fui me aprofundando nesse abismo e agora, estou dormindo na rua. Às vezes tomo banho num posto de gasolina que tem um frentista gente boa, o Ceará, ele me deixa tomar um banho lá, até me deu uma camiseta de propaganda.

     Me alimento com restos de comida de um restaurante e de vez em quando eu  vou até o  CEASA onde consigo frutas que ainda servem pra gente comer.

     Pai, hoje de manhã, acordei pensando se seria certo ou não, afinal resolvi escrever essas linhas. Estou envergonhado, pois pensei que sabia de tudo e que ninguém tinha nada a me ensinar. Lembro das  nossas homéricas discussões que terminavam com o choro da mamãe e com a revolta da Cássia e do Léo, meus dois irmãos, pessoas  que eu achava tão caretas para o meu gosto e que só pensavam em estudar e fazer tudo dentro de regrinhas rígidas e nada mais.

     Pai,gostaria de ter uma chance, principalmente agora, descobri que sou soropositivo. Sabe o que é isso pai, quer dizer que em breve já não estarei mais nesse mundo. O médico me disse que morando na rua o meu fim será abreviado, já que adquiri um problema sério nos pulmões e cheguei a por sangue pela boca e desma iei.

     Pai, sabe aqueles dois cômodos que tem nos fundos e que são utilizados como depósito de quinquilharias? Gostaria que o senhor permitisse eu morar ali  de favor e nem precisa me chamar de filho, pois eu não mereço esse tratamento. Quero do fundo do coração que vocês me perdoem e tenham misericórdia de mim.

     Prometo que não vou trazer mais aborrecimentos para ninguém.

     Caso o senhor concorde, mande uma cartinha para o albergue onde estou por mais duas semanas (o endereço está no rodapé). Se a cartinha não chegar eu entendo a sua posição, vou tentar me arranjar.

     Desculpe a qualidade do papel, mas foi o que arranjei para escrever essa cartinha. Não liguei para casa, pois tenho certeza de que não agüentaria ouvir a voz de mamãe, a sua ou a de qualquer dos meus irmãos.

Um abraço para o senhor, para a mamãe para a Cássia e para o Léo.

Perdoem-me  por tudo tá?

São Paulo, 23 de abril de 2009

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